Texto publicado no Bol Notícias

Elas são 32 mulheres que ganharam uma bolsa de estudos no RenovaBR. O programa, comprometido a dar formação política para “cidadãos comuns” tentados a disputar as próximas eleições, é famoso por ter o apresentador Luciano Huck como um de seus apoiadores.

A iniciativa abriu suas portas no final do ano passado, atraiu mais de 4 mil inscritos (para as parcas 150 vagas) e oferece aulas que vão desde “conhecimentos básicos para atuação no legislativo” passando por “Direito Constitucional”, “gestão fiscal responsável”, “combate à corrupção” e “marketing político”. Os tópicos são ensinados por marqueteiros políticos, educadores, acadêmicos, médicos e diretores de ONGs. Universa assistiu à aula “O Sistema Único de Saúde Brasileiro ou o Sistema Único de Saúde (SUS)”, do médico e vice-presidente de Serviços Externos da Rede D”Or São Luiz, Leandro Reis.

“A Marielle incentivava mulheres negras a entrarem na política. Depois da execução dela, tomei a decisão de concorrer”, conta Thais Ferreira, carioca de 29 anos, mãe de três crianças, fundadora de um projeto que dá amparo a mães da periferia do Rio de Janeiro e amiga da vereadora assassinada. Uma dessas bolsistas, Thais é pré-candidata à deputada estadual pelo PSOL na capital fluminense. Se eleita, seu principal foco será na área da Saúde. Ainda sem um projeto formatado – as aulas no Renova ainda seguem até 15 de julho – ela sabe, no entanto, que vai pensar os problemas do setor “com uma visão muito mais integral do que a aplicada hoje”.

Para Thais, uma das alunas negras do programa, “é preciso ter mulheres e pessoas negras tomando decisões para que haja mais mulheres e pessoas negras em todos os ambientes”, diz ela. “E não só nos espaços políticos”.

Das cerca de três dezenas de mulheres bolsistas – o benefício varia de R$ 5.000 a R$ 12.000 mensais — três se identificaram como “pretas” e duas, “indígenas”. Se no Congresso as mulheres não ocupam nem 10% dos assentos, no Renova elas são 23,8% dos bolsistas. O resto é formado por homens. Não há bolsistas transgêneros. Segundo a psicóloga Izabella Mattar, diretora executiva do projeto, nenhuma pessoa trans passou no processo seletivo. Pelo mesmo motivo, das 150 vagas disponíveis, apenas 134 foram ocupadas; e por alunos de todos os Estados. “Foi o que a gente conseguiu”, diz Izabella. O dinheiro que paga as bolsas vem de doações de apoiadores. Só pessoas físicas ou fundações que servem a pessoas físicas podem doar. “”Da sociedade para a sociedade” é nosso lema”.”

Depois de concorrer ao cargo de deputada federal em 2014 e à prefeitura de Belém do Pará em 2016, e perder as duas eleições, a jornalista Úrsula Vidal, de 46 anos, alça agora planos mais ousados: uma cadeira no Senado. “São só duas vagas para o Pará. E estamos falando de uma janela eleitoral que só abre de oito em oito anos. Eu teria que conseguir cerca de 1,2 milhão de votos. É muito”, diz ela, que filiou-se ao PSOL depois de se “decepcionar” com a Rede. “Sou otimista e vejo no atual momento do país a esperança para minha eleição”. A saber: das 81 cadeiras, 13 são ocupadas por mulheres no Senado.

A pré-candidata já conseguiu fechar um pouco mais seu futuro campo de atuação se eleita, a saúde da mulher. “Afetiva, física e emocional. Uma mulher, quando adoece, destitui uma família inteira”, analisa Úrsula. Para a jornalista, “o grande valor do Renova está na experiência de troca, do fato das pessoas virem de territórios muito diferentes, de realidades sociopolíticas opostas”.

Tem legenda pra todo gosto. Menos PT

Dos partidos escolhidos pelas bolsistas, o que concentra mais pré-candidaturas é a Rede, com sete filiadas. Em seguida vem o NOVO, com cinco, e o PSB, com quatro. Há ainda representantes do PDT, PPS, PSDB, DEM, PR, PODEMOS, PROS e PHS. O PT, por exemplo, não aparece nem entre as mulheres, nem entre os homens do programa. Já entre os dois fundadores da formação, Izabella disse que não tem, nem nunca teve, partido, enquanto Eduardo, que não é filiado a nenhuma legenda neste momento, já foi inscrito no NOVO.

Decidir por qual legenda se candidataria foi das decisões mais difíceis que a também jornalista e capixaba Sandra Freitas, 51, teve de enfrentar para lançar-se à deputada estadual. “Recebi convites de vários partidos. Primeiro porque sou mulher e, segundo, porque sou um nome conhecido no meu Estado”, diz ela, que trabalhou por 25 anos na TV Gazeta, filiada da Rede Globo no Espírito Santo e, na última década, apresentou um programa matinal na emissora que ia ao ar ao vivo, todo sábado, e cobrava das autoridades melhorias para a população. “Eu fazia política, só não era oficial.”

Ela escolheu o PSDB. Partido que, segundo a jornalista, aceitou uma carta de “compromisso de independência”. “Sou do PSDB, mas não preciso concordar publicamente com os direcionamentos do partido”. Sandra, que recebe R$ 8.700 de bolsa, é evangélica da igreja Missão Praia da Costa. Ela é contra o aborto, mas não concorda com a criminalização de mulheres que abortam. Instada a opinar sobre os 30% regulamentares de cotas para as mulheres na política, respondeu: “Ainda não tenho uma opinião formada sobre isso.” Mas tem sobre a palestra que Luciano Huck deu para o grupo de bolsistas: “Achei que ele fosse mais raso. Mas vi que é preparado para comentar sobre o momento político do Brasil”.

Tanto Monica Rosenberg, 49, quanto Joênia Wapixana, 44, pretendem disputar o cargo de deputada federal. A primeira nasceu e foi criada em São Paulo, em família de classe média alta, e se formou em Direito; a segunda nasceu em um povoado indígena em Roraima, em família de classe baixa, e também se formou em Direito. Aliás, Joênia é a primeira mulher índígena no país a se tornar jurista. Curiosamente, as duas estreantes na política, que escolheram respectivamente o NOVO e a Rede, tê a mesma opinião o Renova: “parece que caiu do céu”.

“Meu propósito de vida é participar da mudança do Brasil”, diz Monica, que morou em Paris por dez anos e voltou ao país porque o marido, um engenheiro francês, decidiu tratar um tumor no cérebro no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. “A gente preferiu confiar no Einstein do que no sistema de saúde público francês”, diz Monica que, na volta da França, fundou o “Instituto Não Aceito Corrupção”. Se eleita deputada federal, sua bandeira será “a eficiência do Estado”, diz ela. “Má gestão custa tanto ao povo quanto a corrupção”.

Do curso, Monica diz ter gostado, em especial, de uma aula em que os alunos tiveram que simular votações em Propostas de Emenda Constitucional já pautadas no país.

Ao contrário das outras bolsistas que se inscreveram no projeto e passaram por provas seletivas, Joênia foi convidada pelo Renova a fazer parte do corpo de estudantes. Sua intenção no Congresso Nacional é “a partir da minha visão indígena, legislar para o Brasil”. Segundo ela, um jeito de começar seu projeto político seria trazer para a discussão o “engavetado” PL 2057, um projeto de lei de 1991, que trata de temas indígenas e que nunca foi levado à pauta.

Se eleita, Joênia quebra o vácuo de mais de 30 anos desde que um indígena (Mário Juruna, em 1986) ocupou uma vaga no Congresso.

Graduada em História, a pernambucana Karla Falcão, de 25 anos, é das mais jovens bolsistas do Renova. Pré-candidata à deputada estadual pelo PPS, esta não é a primeira vez que ela concorre a uma cadeira (não ter ocupado um cargo eletivo é um dos critério do Renova).

Karla já tentou ser vereadora em 2016 pelo PSL (teve 2046 votos) e conta que saiu do partido “porque o Bolsonaro entrou”. Bissexual e frequentadora do candomblé, se diz “liberal nos valores políticos” e contra às cotas de 30% das mulheres na política. “Se você olhar bem para as candidaturas que não têm voto, a maioria delas é de mulheres. Acredito em trabalho de base para que todas possam ter acesso aos espaços de deliberação dentro dos partidos; não em cotas”.

Se eleita deputada, sua principal pauta será “o fim de privilégios para a classe política”. “Tem deputado no meu estado que recebe 25 mil reais de salário além de uma série de benefícios”, constata. Perguntada se também pensa em uma proposta liberal que defenderia, ela responde prontamente: “a redução de burocracias para quem quer empreender”.