São Paulo – Era ainda antes das 10h quando crianças e seus pais começaram a se aglomerar na praça Dorina Nowill, na Vila Clementino, zona sul de São Paulo (SP). De bebês de colo a crianças maiores que já queriam se desvencilhar dos pais para saírem a brincar, o batalhão de famílias estava na praça não só para aproveitar a manhã ensolarada ao ar livre, mas também para colocar a mão na massa. 

“A ideia é que, desde pequenas, as crianças aprendam a ocupar o espaço público”

Uma ação do advogado e economista Fabricio Cobra Arbex e da produtora cultural Ligia Jalantonio Hsu, alunos do curso de formação política do RenovaBR, reuniu mães, pais e crianças para reformar o espaço — com foco justamente em torná-la melhor para os pequenos. 

A ação é parte de um exercício prático do curso, que tem 1,4 mil alunos de 445 cidades de todos os estados brasileiros. A ideia é gerar impacto positivo e testar o aprendizado dos alunos, que têm origens, profissões e ideologias diversas e estão se preparando para disputar as eleições municipais do ano que vem. A ação é parte de um desejo antigo de aprimorar e ocupar os espaços públicos ao lado das crianças. Ligia é mãe do pequeno Miguel, de 3 anos. “Com essa ação queremos que a praça fique agradável para os demais moradores da região e, sobretudo, para as crianças. A ideia é que, desde pequenas, as crianças aprendam a ocupar o espaço público”, diz Ligia. 

Embora com pouco menos de 500 metros quadrados, a Praça Dorina Nowill é especialmente importante para as famílias presentes porque fica a poucos metros da CEI Suzana Campos Tauil. O CEI atende a 106 alunos na educação infantil, segundo dados do Censo Escolar de 2018 compilados pelo portal Qedu.

Uma das alunas do CEI é a pequena Maya Sanches Tamachiro, de 4 anos. A menina vai à praça quase todos os dias depois da escola com a mãe, Maitê de Lara Sanches, 32. “A praça era um pouco cinza, não muito convidativa. A reforma com certeza vai deixar muito melhor para as crianças que frequentam”, diz Maitê. 

Poucas horas depois, ainda antes do almoço, o local já tinha outra cara: o muro do local, até então branco e sem vida, ganhou grafites coloridos; os bancos foram limpos e pintados; o chão, outrora só de terra e cimento, passou a ter grama plantada pelas famílias e por voluntários. Os pequenos não ficaram de fora da reforma e, além de pintarem o muro com uma tinta que eles próprios aprenderam a fazer, aprenderam a fazer mosaicos, que usaram para tornar os bancos e mesas de cimento mais bonitos. As crianças também plantaram uma horta comunitária. 

Plantar foi uma das atividades que mais agradaram Gabriela Jabur, de 6 anos, que plantou uma planta do tipo suculenta na nova horta comunitária. A pequena também sujou as mãos na pintura do muro e fez itens de decoração como um vaso de mosaicos. Gabriela diz que já estava acostumada a plantar porque a mãe, Juliana Saad, 37, que é voluntária em diversos projetos, sempre tenta levar a menina para frequentar os espaços. “Hoje ela já subiu no caminhão para plantar grama”, conta a mãe.

A reforma da pracinha vai ajudar não só os alunos do CEI quanto os demais moradores do bairro. Embora more em outra região da cidade, Sacha Picheco, 39, veio à ação com a filha Laís, de 4 anos, porque sua mãe é vizinha da praça. Ela conta que sempre passa pelo local, mas não costumava parar muito para brincar com Laís no local porque a praça era pouco convidativa. “Não só a reforma, mas o fato de as pessoas virem aqui, ocuparem o espaço, é muito bacana”, diz Sacha. “Muita gente aqui no entorno fica mais dentro dos próprios prédios, as crianças brincam em parquinhos próprios. Para o desenvolvimento das crianças, brincar na praça é muito melhor.” 

É justamente incentivar a ocupação do espaço público por mães e filhos o que Ligia busca alcançar com a reforma da praça. Desde que o pequeno Miguel nasceu, a produtora passou a levá-lo a parques, praças, bibliotecas e museus e compartilhar as aventuras nas redes sociais para ajudar outras mães a encontrarem passeios acessíveis, criando assim o projeto “Ocupa Baby”, que tem mais de 5.000 seguidores. O propósito é divulgar passeios gratuitos ou de preço muito baixo, acessíveis a todas as famílias, e encorajar os pais e mãe a não deixarem de lado sua participação em espaços públicos por causa das crianças.

Ao lado da colega Carolina Borges, 37, Ligia também faz parte do projeto “Ocupa Mãe”, que incentiva mães a participarem dos espaços de decisão política e a levarem a pauta da primeira infância para a agenda pública. “Quando as meninas nasceram que percebi como a cidade não está preparada para as crianças”, diz Carolina, que é mãe de Ana, de 4 anos, e Clarice, de 6 anos. “Elas também pagam impostos”, brinca. 

Uma mulher residente na cidade de São Paulo têm em média 1,8 filho, segundo estudo da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), com base em dados de 2014. Além da pouca disponibilidade de espaços públicos para acessar com as crianças, a maternidade também tende a afastar as mulheres do mercado de trabalho e de espaços de decisão política. 

Pesquisa da rede Mulher Empreendedora realizada pela consultoria Robert Half em 2016 mostram que, em 85% das empresas no Brasil, metade das profissionais mulheres deixa o emprego após o nascimento do primeiro filho. No Congresso Nacional, as mulheres representam 15% dos parlamentares no acumulado da Câmara e do Senado. Dentre as 30 siglas que elegeram deputados federais em 2018, em 19 delas as mulheres representam menos de um terço da cúpula executiva nacional, segundo levantamento do jornal O Estado de S.Paulo.

No evento, Enrico Dams, de 2 anos, colocou a mão na massa, pintou o muro e se sujou de terra na pracinha. A mãe, Daniela Dams, 40, também trouxe sua sobrinha, Sophia, 10, que aprendeu a fazer uma boneca de pano na oficina de um dos voluntários. “É bonito ver uma reunião como essa da sociedade civil e ver os próprios cidadãos tomando atitudes para melhorar o lugar”, diz Daniela. “Depois que o Enrico nasceu, ficou muito mais difícil frequentar atividades ao ar livre, e ter essa reunião e incentivo é muito bacana.” 

A depender de Ligia e das mães e pais presentes na reforma da Dorina Nowill, haverá cada vez mais mulheres frequentando praças, parques e museus pela cidade ao lado de suas crianças. E as crianças, por sua vez, vão crescer sabendo que, não importa a idade, a cidade também é delas.